Tema cobrado na prova do MP-SP-2023-discursiva.
É possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público no âmbito da Lei nº 9.605/98? Aponte a divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema, declinando os argumentos que embasam cada posição. Explique, resumidamente, no que consiste a teoria da dupla imputação, indicando o atual cenário jurisprudencial nos Tribunais Superiores.
TÓPICO: É POSSÍVEL A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO NO ÂMBITO DA LEI 9.605/98?
A Constituição Federal de 1988 previu no art.225, § 3º, a criminalização das condutas lesivas ao meio ambiente por parte da pessoa jurídica, sendo tal dispositivo regulamentado pela Lei n. 9.605/98. Porém, tanto a Constituição Federal quanto a lei em comento não deixaram nítido quais pessoas jurídicas estariam sujeitas à incriminação penal, se as de natureza privada e/ou pública, o que acendeu uma discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público. Assim, apesar de estar pacificada a responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica de direito privado, resta controversa a possibilidade de responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica de direito público (NOTA: ATÉ 0,1 PONTO).
TÓPICO: APONTE A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL A RESPEITO DO TEMA, DECLINANDO OS ARGUMENTOS QUE EMBASAM CADA POSIÇÃO. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS:
Na pontuação, foram considerados os seguintes argumentos: a) os entes públicos não podem se beneficiar de uma conduta criminosa se o seu objetivo é sempre o “interesse público”; b) o “ius puniendi” é de exclusividade do Estado, e não se justifica a sua (auto) punição (perda de legitimidade); c) o Poder Judiciário, que condenaria o Estado criminoso, consequentemente se inseriria na órbita da criminalidade, o que seria inusitado; d) as penas previstas em lei quando aplicadas aos entes públicos seriam inadequadas, pois toda condenação criminal contra um órgão público seria revertida em desfavor da sociedade, que seria duplamente penalizada: pena de multa, será paga com dinheiro público; interdição temporária e suspensão feririam o princípio da continuidade do serviço público; proibição de contratar com o Poder Público feriria o pacto federativo e provocaria prejuízo à população; e) como as entidades de direito público foram constituídas como meio para que o Estado atinja seus objetivos, seus dirigentes não atuariam, nos termos do art. 3º da Lei nº 9.605/98, “no interesse ou benefício” da entidade; f) se houver desvio da finalidade, a responsabilidade deveria ser da pessoa física (agente público) que, nessa função, é o verdadeiro responsável pela tomada de decisão, razão pela qual deveria ser o único penalmente imputável por eventual crime ambiental; g) em relação às pessoas jurídicas de direito público, a forma mais adequada de tutela do meio ambiente se daria no âmbito cível ou administrativo quando constatada omissão em seu dever de fiscalização, figurando, entretanto, como devedora solidária junto com os demais poluidores, mas de execução subsidiária (Súmula 652 do STJ); h) não é possível fazer analogia “in malam parte”, a fim de incluir a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, ampliando o alcance de norma penal incriminadora (NOTA: ATÉ 0,3 PONTO).
ARGUMENTOS FAVORÁVEIS:
Na pontuação, foram considerados os seguintes argumentos: a) nem a Constituição Federal e nem a Lei 9.605/98 estabeleceram que não seriam aplicados os tipos penais às pessoas jurídicas de direito público, não diferenciando qual espécie de pessoa jurídica estavam se referindo, não tendo a lei colocado nenhuma exceção, sendo defeso ao intérprete fazê-lo, sob pena de afronta à isonomia. b) a participação do Estado nos mais variados setores da atividade, não somente econômica, mas também de promoção social, torna os entes públicos especialmente suscetíveis de delinquir e reclama, portanto, uma responsabilidade correspondente; c) a penalização da pessoa jurídica de direito público serviria como freio e imputaria maior cuidado por parte dos mesmos e de seus administradores para com o meio ambiente; d) pode-se afastar o argumento de que os dirigentes da entidade de direito público não agem em benefício ou interesse dela, pois muito comum a constituição de pessoas jurídicas pelo Estado com a finalidade de atuar na esfera econômica, disputando mercado com o setor privado; e) a aplicação da pena não é empecilho para a responsabilização criminal da pessoa jurídica de direito público, uma vez que poderá ser facilmente adaptada pelo juiz; f) a responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público é a medida que melhor protege o meio ambiente, sendo imposição constitucional a sua proteção absoluta (CF, art.225); g) o art.3º, inc. IV, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/81) conceitua como poluidor a pessoa jurídica de direito público que cause degradação ambiental (NOTA: ATÉ 0,3 PONTO).
OBS: Divergências doutrinárias que tratavam de temas há muito ultrapassados na jurisprudência dos Tribunais Superiores, referentes a dogmática penal ou ligados à teoria geral do crime ou da pena, não foram considerados para fins de pontuação, já que o tema proposto era outro, alusivo à responsabilidade penal da pessoa jurídica de DIREITO PÚBLICO, cuja divergência doutrinária e jurisprudencial tem fundamentos distintos e mais característicos.
TÓPICO: EXPLIQUE, RESUMIDAMENTE, NO QUE CONSISTE A TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO.
De acordo com a Teoria da Dupla Imputação, só seria admissível a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que não se poderia compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (NOTA: ATÉ 0,1 PONTO).
TÓPICO: INDICANDO O ATUAL CENÁRIO JURISPRUDENCIAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES.
Inicialmente o STJ admitiu a responsabilidade jurídica da pessoa jurídica de direito privado, mas adotou a teoria da dupla imputação. Contudo, o STF, no HC 83554/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.08.2005, concedeu writ à pessoa física, atribuindo-se somente à pessoa jurídica a responsabilidade pelo dano ambiental (vazamento de óleo cru e morte de animais em Araucária – PR), rejeitando assim a teoria da dupla imputação. Posteriormente, no Agravo Regimental no RExt 548.181/ PR, rel. Min. Rosa Weber, em 2013, foi feito um melhor exame constitucional da dupla imputação como condicionante da responsabilidade penal da pessoa jurídica em delitos ambientais (art. 225, §3º, da CF-88), permitindo a possibilidade de ação penal exclusivamente contra a pessoa jurídica. Diante dessa interpretação, o STJ modificou sua anterior orientação, passando a entender ser possível a responsabilização penal da pessoa jurídica independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Assim, pela jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores, a Constituição Federal de 1988 (art. 225, § 3º) permite a apenação da pessoa jurídica sem que, necessariamente, se atribua o mesmo fato delituoso à pessoa física, bastando que fique demonstrado que o ilícito decorreu de deliberações ou atos cometidos por indivíduos ou órgãos vinculados à empresa, no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, enquanto comportamentos aceitos pela pessoa jurídica, concernentes à sua atuação social ordinária; e ainda que tal atuação tenha se realizado no interesse ou em benefício da entidade coletiva (NOTA – ATÉ 0,2 PONTO).
Ou seja: tem-se que, atualmente, a jurisprudência dos tribunais superiores não adota a teoria da dupla imputação – pode-se responsabilizar a pessoa jurídica por crime ambiental sem necessariamente estar atrelado a uma pessoa física.