Projeto Questões Escritas e Orais

Pluralismo jurídico comunitário

Questão cobrada na DPE-BA-FCC-2021:

[…] Salu estava amargurada pela disputa pela terra que havia tirado a vida de Severo. Pelas ameaças e proibições que tinham a intenção de fazê-los deixar a fazenda. Aquela visita era parte da tormenta que sofriam havia tempos, para constrangê-los, até não sobrar mais nada. Se pôs com autoridade diante dos dois para dizer o que a estava sufocando fazia muito tempo. “Olha, dona”, interrompeu Salu antes que a mulher continuasse a sua pregação, “eu não tenho muita letra nem estudo, mas quero que a senhora entenda uma coisa. Eu não sou a única a morar nesta terra. Muitos desses moradores que vocês querem mandar embora chegaram muito antes de vocês. Vocês não eram nem nascidos.

[…] Não sei se a senhora sabe, mas eu peguei em minhas mãos a maioria desses meninos, homens e mulheres que a senhora vê por aí. Sou mãe de pegação deles. Assim como apanhei cada um com minhas mãos, eu pari esta terra. Deixa ver se a senhora entendeu: esta terra mora em mim”, bateu com força em seu peito, “brotou em mim e enraizou”. “Aqui”, bateu novamente no peito, “é a morada da terra. Mora aqui em meu peito porque dela se fez minha vida, com meu povo todinho. No meu peito mora Água Negra, não no documento da fazenda da senhora e do seu marido. Vocês podem até me arrancar dela como uma erva ruim, mas nunca irão arrancar a terra de mim”.

(VIEIRA JÚNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019. p. 229-230)

1 – A partir do excerto acima — em que se narra uma disputa territorial fundada na tensão entre o direito oficial, mais precisamente o direito de propriedade, reivindicado pelos novos proprietários de um imóvel rural com base no direito positivo (registro imobiliário), e o direito inoficial, reivindicado na forma do direito à terra pela personagem Salu — denomine, caracterize e fundamente, à luz da teoria crítica do direito, referida juridicidade não estatal (direito inoficial) que exsurge do contexto em questão.

2 – Tendo em vista a força simbólica da personagem Salu, mulher negra descendente de escravos, parteira e trabalhadora rural no sertão baiano, explique de forma contextualizada o feminismo afro-latino-americano de acordo com a obra de Lélia Gonzalez.

Espelho:

a – O fenômeno em questão é denominado pluralismo jurídico comunitário.

b – Trata-se da reivindicação de outras fontes de juridicidade por novos sujeitos sociais, historicamente espoliados e marginalizados, tais como comunidades quilombolas e populações originárias.

c – Cuja práxis concreta em busca da (c) satisfação de suas necessidades fundamentais (existenciais, materiais e culturais).

d – Funda-se na (d) ética da alteridade (que visa a afirmação da dignidade e a libertação do outro, cuja forma de vida é diferente da hegemônica no projeto liberal- capitalista da sociedade de consumo).

e – Fomenta a criação de um (e.1) espaço comunitário democratizado e participativo, tendo como horizonte um (e.2) projeto social emancipatório. (Cf. WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 225-255)

(0,25)

f – De acordo com Lélia Gonzalez, inicialmente o movimento feminista partilhou do “racismo por omissão” em razão de uma visão de mundo eurocêntrica e neocolonialista. Em virtude do caráter multirracial e pluricultural da América Latina, as “amefricanas” e as “ameríndias” lançaram luz para sua condição de mulheres mais exploradas e oprimidas em uma região de capitalismo patriarcal-racista-dependente.

(0,50)

g – Por constituírem a grande massa explorada no continente, conferiram um aspecto “popular” ao movimento e procuraram se organizar coletivamente para garantir justamente a própria sobrevivência familiar e comunitária, tendo como herança a resistência à escravidão e como horizonte a superação libertadora do sistema patriarcal-racista, tal como denota a ação da personagem Salu no romance em tela.

(0,50)

(Total 2,50)

DPEBA FCC 2021 

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