O art. 6º da Lei de Ação Popular versa a respeito da legitimidade passiva. Segundo tal legislação, ajuiza-se AP contra as pessoas jurídicas que foram prejudicadas pelo ato , contra autoridades, funcionários ou administradores que autorizaram, ratificaram, praticaram o ato, ou mesmo que foram omisso e contra os beneficiários diretos(caso não existam, ajuiza-se contra as outras pessoas já aqui indicadas).
O § 3º de tal artigo traz uma hipótese conhecida na doutrina como sendo de “intervenção móvel”. Vejamos:
§ 3ºA pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.
Prevê a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público ou de privado cujo ato está sendo questionado no âmbito da AP migre para o polo ativo e passe a atuar em conjunto com o demandante. Quebra-se, então, em nome do interesse público primário, a estabilidade subjetivada da demanda.
Assim, por ex., se existe uma ação popular contra ato administrativo praticado pelo Secretário de Saúde do Estado do Ceará por entender que o praticou com vício de incompetência, pode o Estado do Ceará:
a) apresentar contestação sustentando que inexiste qualquer ilegalidade no ato praticado;
b) ter uma posição neutra, abstendo-se de manifestação;
c) ao verificar que a ação é útil ao interesse público, migrar para o polo ativo e passar a atuar junto com o autor.
Cabe destacar, ainda, que segundo o STJ(REsp 945.238/SP), tal migração para o polo ativo pode ocorrer inclusive após a apresentação de contestação, não se cabendo falar em preclusão de direito, uma vez que a lei não traz momento limitador que ela deve ocorrer.
Saliente-se, ainda, que essa possibilidade de intervenção móvel também se aplica no caso de ACP ajuizada em face do ente público, em razão do microssistema de tutela coletiva, de acordo com entendimento do STJ:
(…). 2. O deslocamento de pessoa jurídica de Direito Público do pólo passivo para o ativo na Ação Civil Pública é possível, quando presente o interesse público, a juízo do representante legal ou do dirigente, nos moldes do art. 6º, § 3º, da Lei 4.717/1965, combinado com o art. 17, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa. (…). (AgRg no REsp 1012960/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 04/11/2009)
Ademais, temos que a liberdade de a pessoa jurídica migrar para esse polo não se configura em liberdade ampla(até porque a migração configura reconhecimento implícito dos pedidos) – STJ, REsp 1391263/SP..
No caso em específico desse julgado, se tratava a respeito de licença ambiental ilegalmente expedida. Para migrar para o polo ativo da demanda, o ente público teve que demonstrar que tomou de boa-fé e de forma eficaz todas as medidas para sanar a ilicitude, bem como buscou medidas disciplinares contra os servidores públicos que cometeram ilícitos.
O tema já foi cobrado em alguns concursos.
No MPE-GO-2014:
O que é possibilidade de “intervenção móvel” no microssistema processual coletivo?
No MPE-AP-2021-CESPE:
Um cidadão do estado do Amapá ingressou com uma ação popular contra o município de Macapá. O pedido principal da ação popular visava impedir a destruição de determinado bem do patrimônio cultural. Citado, o município manifestou-se no sentido de também integrar o polo ativo da ação. Dessa forma, os autos foram encaminhados ao Ministério Público, para manifestação processual.
Tendo como referência a situação hipotética acima, responda, justificadamente, aos questionamentos que se seguem.
1 – É admissível o ingresso de ação popular para a defesa do patrimônio cultural?
2 – É admissível a intervenção móvel da pessoa jurídica na ação popular?
Espelho:
1 – Apesar de a Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/1965) não mencionar o patrimônio cultural, a Constituição Federal de 1988 (CF) ampliou a esfera de abrangência da ação popular, ao estatuir que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (art. 5.º, LXXIII).
Assim, a ação popular deve ser interpretada sob o olhar da nova ordem constitucional e dentro do contexto do microssistema de tutela jurisdicional coletiva. Nesse quadro, não há dúvida de que os lesivos ao patrimônio cultural podem ser discutidos mediante ação popular. O entendimento jurisprudencial do STJ também é nesse sentido.
A Lei 4.717/1965 deve ser interpretada de forma a possibilitar, por meio de Ação Popular, a mais ampla proteção aos bens e direitos associados ao patrimônio público, em suas várias dimensões (cofres públicos, meio ambiente, moralidade administrativa, patrimônio artístico, estético, histórico e turístico). (REsp 453.136/PR, relator ministro Herman Benjamin, 2.ª Turma, DJe 14/12/2009)
2 – A previsão legal da intervenção móvel da pessoa jurídica (§ 3.º do art. 6.º da Lei n.º 4.717/1965) representa uma quebra da regra da estabilidade subjetiva do processo em favor do interesse público.
Há, pois, uma despolarização da demanda. Para isso, a pessoa jurídica, após ser incluída no polo passivo da ação e ser cientificada da ação coletiva, poderá adotar três posturas, consoante ilustração doutrinária a seguir.
(1.ª) apresentar resposta (em especial contestação), sustentando que não há mácula no ato impugnado judicialmente, (2.ª) abster-se de responder (em posição neutra), sem pronunciamento algum sobre o ato impugnado, ou (3.ª) não contestar e, verificando que a ação coletiva ajuizada é útil ao interesse público, deslocar-se da sua posição original do polo passivo, para o polo ativo da demanda, vindo a atuar ao lado do autor. Dessa forma, a norma não só autoriza que a pessoa jurídica arrolada — inicialmente — como ré na ação deixe de contestar, como também cria espaço para que ela venha a aderir ao polo ativo, atuando ao lado do autor. (Fredie Didier Jr. e Hermes Jr. Zaneti. Curso de direito processual civil: processo coletivo. 14.ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 284)
A doutrina sustenta, ainda, que essa hipótese de intervenção seria extensível para todo o microssistema do processo coletivo. A jurisprudência do STJ também já se posicionou nesse sentido (cf. STJ, REsp n.º 791.042/PR, rel. min. Luiz Fux, DJ de 9/11/2006, p. 26).