O art. 36 da Lei n.º 9.985/2000 dispõe que:
“Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório — EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.”
a) Qual princípio ambiental entende o STF que esse dispositivo materializa?
b) Natureza jurídica da compensação ambiental;
c) Parâmetros para a definição do quantum pago a título de compensação ambiental;
d) Danos ambientais abrangidos pela compensação;
e) Possibilidade de responsabilização civil posterior por dano ambiental que foi objeto de compensação nos termos do art. 36 da Lei n. 9985/00.
Trata-se de tema cobrado na discursiva da PGE-AM-2016.
De início, é preciso destacar que a Constituição Federal de 1988, no art.225 caput, impôs ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Ocorre que não é novidade que numerosos empreendimentos, em suas diversas etapas e fases, acabam por muitas vezes atingirem de maneira prejudicial o meio ambiente.
Foi justamente no contexto de danos ambientais potencialmente irreversíveis que surgiu a figura da compensação ambiental.
Assim, a compensação ambiental possui a finalidade de contrabalançar os impactos ambientais previstos no licenciamento ambiental de determinado empreendimento causador de degradação não mitigável. Em resumo, é um valor compensatório a ser pago em decorrência de uma atividade que possua potencial de lesar, de maneira irreversível, o meio ambiente.
Percebe-se, então, que a compensação possui origem na função socioambiental da propriedade e será devida sempre que o uso da propriedade puder ultrapassar um determinado limite, causando um impacto ambiental significativo e prejudicando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Diante de tal conceito, surgiu a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza jurídica da compensação ambiental.
Primeiramente, surgiu o argumento de que seria um preço público, todavia, a compensação ambiental não detém a finalidade de cobrança pelo uso de um bem público, pois o meio ambiente não é um bem do Poder Público, mas sim um bem de uso comum do povo e um direito fundamental de todos, cujo uso/degradação gera uma obrigação de reparação e recuperação.
Outro argumento que ganhou destaque foi no sentido de reconhecer a natureza tributária do instituto, mais precisamente da espécie taxa. Contudo, o valor atinente a compensação ambiental não se confunde com a taxa cobrada pelo licenciamento ambiental, tendo em vista que o licenciamento advém do exercício regular do poder de polícia, enquanto que a compensação se compõe de uma forma de reparação de danos a que está sujeito o empreendedor, independentemente, de uma atividade ou contraprestação exercida pelo Poder Público.
Por fim, o entendimento mais aceito na doutrina e na jurisprudência é no sentido de que a compensação ambiental possui natureza jurídica de obrigação econômica de reparação pelo uso do meio ambiente.
O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3378/DF, reconheceu que o citado instrumento ambiental é um reflexo do princípio do usuário-pagador, tendo em vista que os recursos ambientais são bens da coletividade e seu respectivo uso exige uma contrapartida financeira. Esse aspecto é muito cobrado em concursos públicos.
É interessante destacar que o citado princípio possui não só um caráter repressivo/reparatório, mas também preventivo, pois legitima a cobrança de uma compensação desde a origem do empreendimento, que será calculada de forma justa pelo respectivo órgão ambiental.
Com isso, as principais funções da compensação não se resumem a reparação dos danos causados, com foco no passado e na responsabilidade civil, mas também objetivam a prevenção de danos graves e, por vezes, irreversíveis, orientada para o futuro.
A título de curiosidade, alguns doutrinadores entendem que o princípio do poluidor-pagador está contido no princípio do usuário-pagador, o que também autorizaria afirmar que a compensação ambiental seria uma conseqüência daquele primeiro princípio, todavia, o STF se ateve unicamente a fundamentar seu julgado no principio do usuário-pagador.
Obs: isso gera alguma divergência também em questões de concursos públicos – pois, por vezes, as bancas apenas colocam o princípio do poluidor Em nossa opinião,
Desse modo, em provas, pode aparecer também que esse artigo concretiza o princípio do poluidor-pagador(em nossa opinião, o mais correto seria usuário-pagador, uma vez que revela a visão do STF).
Abordando a Lei 9.985/2000(SNUC), vejamos a compensação ambiental estabelecida na redação do artigo 36:
Art. 36.Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.(Regulamento)
§ 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. (Vide ADIN nº 3.378-6, de 2008)
§ 2o Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.
§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.
§ 4º A obrigação de que trata o caput deste artigo poderá, em virtude do interesse público, ser cumprida em unidades de conservação de posse e domínio públicos do grupo de Uso Sustentável, especialmente as localizadas na Amazônia Legal. (Incluído pela Lei nº 13.668, de 2018)
Destaca-se a alteração inclusa em 2018 no parágrafo quarto, estabelecendo a possibilidade de a compensação ser cumprida também em unidades de conservação de Uso Sustentável, caso sejam de posse e domínio.
Além disso, observa-se que a dimensão do dano ambiental da atividade deverá ser calculada pelo respectivo EIA/RIMA que, em conjunto com o licenciamento, fundamentará a fixação do valor a ser pago pelo empreendedor.
Assim, o parâmetro do quantum devido será avaliado, caso a caso, pelo órgão licenciador nos limites previstos no estudo técnico da obra/atividade, sendo inconstitucional qualquer tentativa de antever esse montante, conforme destaca o STF ao afastar a constitucionalidade da expressão “não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”, prevista no art. 36, §1º, da Lei 9.985/2000. É esse, então, um outro aspecto muito cobrado em concurso!
Para consolidação dessa matéria tão importante em Direito Ambiental, é necessário ler com atenção a jurisprudência do STF referente à ADI 3378/DF:
“1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório – EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão “não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”, no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente.
(STF – ADI: 3378 DF)”
E caso, posteriormente ao início da atividade, constatem-se novos danos? É possível a responsabilização do empreendedor?
Sim! Entende-se que a compensação ambiental é um ponto de partida em relação à análise dos danos causados, pois, posteriormente ao início da atividade, existirão possivelmente outros impactos ambientais não previstos no EIA/RIMA, o que não excluirá a responsabilidade objetiva do usuário/empreendedor, tendo em vista que vigora no Direito Ambiental a teoria do risco integral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
– AMADO, Frederico. DIREITO AMBIENTAL, Sinopses para Concursos.7ª ed – Salvador/BA: Juspodivm, 2019, p. 60-67.
– CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O erro na concessão de licença ambiental não configura fato de terceiro capaz de interromper o nexo causal na reparação por lesão ao meio ambiente. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ad8d3a0a0f0a084a97fad357c649438c>. Acesso em: 29/07/2021.
– STF – ADI: 3378 DF, Relator: CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 09/04/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENTA VOL-02324-02 PP-00242