Projeto Questões Escritas e Orais

Na fazenda Estrela do Oriente, localizada na região sul do Pará e em operação há aproximadamente trinta anos, é desenvolvida a atividade pecuária de corte em larga escala, com a criação de cinco mil cabeças de gado, dentro de parâmetros de eficiência, que garantem a alta produtividade do empreendimento. Entretanto, aos trabalhadores empregados na fazenda, são histórica e reiteradamente negados os mais básicos direitos que regulam as relações de trabalho.

Considerando essa situação hipotética, atenda ao que se pede a seguir.

1 – Responda se é possível a desapropriação da fazenda Estrela do Oriente por interesse social para fins de reforma agrária partindo de uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988 e levando em consideração princípios vetores interpretativos, como unidade da Constituição, a máxima efetividade das normas constitucionais e a força normativa da Constituição.

2 – Esclareça, justificadamente, se é correto afirmar que a desapropriação para fins de reforma agrária consiste em verdadeiro confisco.

Questão cobrada na PGE-PA-2022. Espelho:

1 – O conceito de produtividade esculpido no art. 185 da Constituição Federal de 1988 está calcado na ideia de razão humana e social. Por conseguinte, para que a propriedade não seja alvo de desapropriação-sanção, quem a ocupa deve, concomitantemente, cumprir os requisitos previstos nos arts. 185 e 186 da Constituição Federal de 1988, quais sejam: os requisitos do aproveitamento racional e adequado, da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, de observância das disposições que regulam as relações de trabalho e de exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Afinal, a propriedade não é mais um direito absoluto, e sobre ela está gravada naturalmente uma hipoteca social perpétua: o cumprimento da função social.

Nesse sentido, é correto dizer que a função social da propriedade é elemento constitutivo do direito de propriedade. Ademais, partindo-se da premissa de que a Constituição não se interpreta em tiras, respeitando-se, portanto, o princípio da unidade, é defensável sustentar que o art. 185 deve ser interpretado em conjunto com os arts. 184 e 186, e, não se reconhecendo entre eles uma antinomia, concluir-se que, no conceito de função social da propriedade, está contido o conceito de produtividade, entretanto, no conceito de produtividade, também estariam contidos os conceitos de função ambiental, trabalhista e bem-estar.

Com efeito, não se pode perder de vista, ainda, que, desde o seu preâmbulo, a Constituição Cidadã elegeu a igualdade e a justiça como valores supremos, fixando, entre os seus princípios fundamentais estabelecidos no art. 1.º, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, não parecendo razoável que uma propriedade rural que há várias décadas bem produza à custa da não observância (reiterada e constante) dos direitos trabalhistas de gerações de empregados, como no caso hipotético apresentado, possa estar fora da possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Assim, para conferir a máxima efetividade da Constituição e de seu eixo condutor, reconhecendo-se a ela própria força normativa, conclui-se, pelas balizas dadas no comando da questão, que a fazenda Estrela do Oriente é passível de desapropriação para fins de reforma agrária.

2 – A afirmação é incorreta. Para que se configure o confisco, não se pode falar em prévia e justa indenização — afinal, no confisco, o Estado, valendo-se de seu poder, assume a propriedade de bens alheios sem pagar a indenização correspondente. Assim, a desapropriação para fins de reforma agrária é verdadeira venda forçada da propriedade rural, em que pese o pagamento da justa indenização se faça em títulos especiais da dívida pública com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão (art. 184 da Constituição Federal de 1988). Em resumo, sua natureza jurídica não é de confisco.

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