Projeto Questões Escritas e Orais

Figuras parcelares da boa-fé objetiva

Inicialmente, é importante relembrar que o princípio da boa-fé objetiva, expresso no Art. 422 do CC, diz respeito ao comportamento ético exigido pelos contratantes. Trata-se da materialização da eticidade no campo contratual, sendo um dever lateral de conduta.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Por sua vez, as as figuras do tu quoque, venire contra factum propium, surrectio e supressio são desdobramentos/funções reativas ou figuras parcelares da boa-fé objetiva. Vamos a conceituação de cada uma delas:

TU QUOQUE

é a impossibilidade de uma parte exigir da outra um comportamento que também não cumpriu ou simplesmente negligenciou. Evita o comportamento abusivo de uma das partes, marcado pelo ineditismo ou pela surpresa. Exemplo: exceção de contrato não cumprido (Art 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro).  

VENIRE CONTRA FACTUM PROPIUM(VEDAÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO

é a vedação  ao comportamento inesperado, que viola a boa-fé objetiva, causando surpresa na outra parte.De acordo com a doutrina, é necessária a  a presença de 4 requisitos para a configuração desse instituto: a) um comportamento; b)a geração de uma expectativa; c)o investimento na expectativa gerada ou causada; e d) o comportamento contraditório ao inicial, que gere um dano, ou, no mínimo um potencial de dano a partir da contradição.

SUPRESSIO(SUPRESSÃO)

É a supressão/ Redução do conteúdo obrigacional pela inatividade de uma das partes. Tal instituto, também é conhecido como verwirkung, serve para limitar o exercício de direitos subjetivos. Trata-se de renúncia tácita uma direito pelo seu não exercício ao longo do tempo 

De acordo com o STJ (AgInt no AResp 296.214/SP), a supressio consiste na  possibilidade de haver um redimensionamento da obrigação, pela inercia qualificada de uma das partes em exercer um direito ou uma faculdade, durante o período da execução do contrato, criando para a outra parte a legítima expectativa de havido a renúncia àquela prerrogativa

Exemplo: Informativo 680, STJ(REsp 1.879.503-RJ):

Ex-empregado mantido no plano de saúde por mais de dez anos após a demissão, por liberalidade do ex-empregador e com assunção de custeio integral do serviço, não poderá ser excluído da cobertura do seguro.

“Implica, assim, a redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer determinado direito ou faculdade, criando para a outra a percepção válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.’”

SURRECTIO

É o aumento do conteúdo obrigacional em razão da inatividade de uma das partes. O exemplo clássico de supressio/surrectio é o pagamento feito reiteradamente pelo devedor em local diverso do estipulado (Art. 330 do CC). Tal reiteração gera a presunção de renúncia pelo credor do local previsto no contrato e, consequentemente uma supressão (surrectio) do seu direito de exigir o pagamento no local inicialmente estipulado. Já o devedor passará a ter o direito de realizar o pagamento em local diverso do estipulado no contrato (surrectio).

Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.

DUTY TO MITIGATE THE OWN LOSS

Tradução: dever de o credor mitigar as próprias perdas.

De acordo com o STJ(REsp 1201672/MS):

“o princípio duty to mitigate the loss conduz à ideia de dever, fundado na boa-fé objetiva, de mitigação pelo credor de seus próprios prejuízos, buscando, diante do inadimplemento do devedor, adotar medidas razoáveis, considerando as circunstâncias concretas, para diminuir suas perdas. 

Sob o aspecto do abuso de direito, o credor que se comporta de maneira excessiva e violando deveres anexos aos contratos (v.g: lealdade, confiança ou cooperação), agravando, com isso, a situação do devedor, é que deve ser instado a mitigar suas próprias perdas.

 É claro que não se pode exigir que o credor se prejudique na tentativa de mitigação da perda ou que atue contrariamente à sua atividade empresarial, porquanto aí não haverá razoabilidade”

Ainda: nos termos da jurisprudência do STJ, sobre a aplicação da teoria do duty to mitigate the loss, a simples demora no ajuizamento da ação não é causa suficiente para afastar os encargos moratórios do contrato, devendo, ainda, haver a criação de expectativa pelo credor de que a dívida seria cobrada menor ou mesmo não cobrada, ou, ainda, que tenha violado deveres anexos ao contrato. (STJ, AgInt no AREsp 2079543 / GO) 

Tema cobrado no MP-BA-2023-CESPE:

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), se a parte a que a perda aproveita permanecer deliberadamente inerte diante do dano, haverá abuso de direito, por se configurar o(a) A surrectio. B duty to mitigate the own loss. C supressio. D venire contra factum proprium. E tu quoque.

Gabarito: B. 

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