Questão cobrada na prova TJ BA Oral 2020 CEBRASPE. Espelho:
A natureza jurídica da suspensão condicional da pena apresenta maior complexidade e transcendência no campo da doutrina penal, não havendo consenso entre os penalistas e demais cientistas da ciência criminal. Hugo Conti, depois de dizer que a pena deve ser substituída por qualquer coisa melhor, esclarece que a suspensão condicional apresenta-se como um substitutivo penal.
No mesmo sentido são as opiniões de A. Mermound e Zurcher, que veem o instituto em estudo como “um sucedâneo da pena”. Aqueles que têm a suspensão condicional da pena como substitutivo penal partem da ideia de que a concessão do benefício legal implica a substituição da pena de prisão por uma pena moral representada pela admoestação que está implícita na sentença. Essa tese é inaceitável, pois confunde-se com a natureza de toda a sanção penal, que sempre mantém o caráter de diminuição moral. Portanto, não é a advertência do juiz implícita na sentença que dá à suspensão condicional o caráter moral, que é peculiar a toda sanção penal.
Para Jescheck, a suspensão condicional é “um meio autônomo de reação jurídico-penal que tem várias possibilidades de eficácia. É pena, tanto que se condena a uma pena privativa de liberdade e o condenado tem antecedentes penais”. Mas o próprio Jescheck conclui mais adiante que a opinião dominante vê na suspensão condicional somente “uma modificação na execução da pena”, rechaçando assim que se trate de um ato de graça. Cesare Pola, e com ele Bettiol e Maggiore, adotaram a tese de que a suspensão condicional da pena é uma causa extintiva do delito e da ação. Nada mais fez, porém, que seguir a orientação do Código Penal de seu país, que, tradicionalmente, vem regulando esse instituto no capítulo relativo às causas de extinzione del reato.
Essa concepção tampouco pode ser acolhida (especialmente no Brasil e no Projeto de Código Penal espanhol de 1980), pois, por via indireta, importaria reconhecer como se fosse uma causa de extinção de punibilidade, como é o caso da graça ou do indulto, nos crimes de ação pública, ou a renúncia ou o perdão nos crimes de ação privada. A graça e o indulto, já referimos, estão afetos ao Poder Executivo e a suspensão condicional ao Poder Judiciário, e a renúncia e o perdão pertencem à esfera exclusiva do particular ofendido.
Atualmente, a doutrina brasileira, em sua grande maioria, vê no instituto em exame um direito público subjetivo do condenado. Para concluir, há aqueles que concebem a suspensão condicional como uma “condição resolutória”, já que a execução da pena fica subordinada a um acontecimento futuro. “É condição, porque a pena fica subordinada a um acontecimento futuro e incerto; é resolutiva, porque a indulgência vigorando, desde logo, deixa, portanto, de existir se a cláusula imposta não for cumprida de acordo com o estabelecido”.
Em sentido semelhante manifesta-se Henri Locard, para quem a suspensão condicional tem o caráter provisório de uma dilação que poderá ser revogada a qualquer tempo pela superveniência da condição resolutória resultante de um segundo delito. Ainda no mesmo sentido é a opinião de Soler, quando diz: “chama-se condicional a condenação que o juiz pronuncia deixando em suspenso sua execução por determinado período de tempo, que somente será executada se produzir certa condição”
A corrente que vê a suspensão condicional da pena somente como uma condição resolutória do direito de punir (Magalhães Noronha, Whitaker, Locard, Soler etc.) também é insuficiente para definir a natureza jurídica do instituto em questão. A suspensão condicional não pode ser reduzida a simples condição, quando a condenação imposta permanece e somente a execução da pena fica suspensa e não será cumprida se o beneficiário, no prazo depurador, comportar-se socialmente de modo a não causar sua revogação. É suspensiva uma condição quando a eficácia de um ato ou a aquisição de um direito se subordina à sua verificação; é resolutiva a condição quando a eficácia de um ato ou exercício de um direito somente tem lugar enquanto a conditio não se realiza. Ora, a condenação aplicada no julgamento que concedeu o sursis não ficou dependente de qualquer condição para passar em julgado, bem como sua eficácia. E, ademais, em que pese a suspensão do cumprimento da pena principal, todos os demais efeitos da condenação permanecem válidos.
Além das concepções examinadas, existem outras — só para mencioná-las: “adaptação individual da pena”, “complemento do sistema penal”, “direito público subjetivo”, “meio de punição de ordem especial” etc.
Para a doutrina de Cezar Roberto Bitencourt, hoje, a suspensão condicional da pena é, como disse Soler, “uma verdadeira condenação”, ou seja, não é mais que uma simples modificação na forma de cumprimento das penas que suspende, especialmente na regulamentação do Código Penal brasileiro, que determina que, no primeiro ano de prazo, “deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48)”. Em realidade é uma alternativa aos meios sancionatórios tradicionais com que conta o moderno direito penal.