Questão cobrada na prova de Juiz do TJMG-2022-FGV:
As sociedades empresárias, enquanto atividade econômica organizada, atuam sem dúvida no centro da economia moderna, sendo forte sua presença no atual cenário envolto na globalização e nos avanços tecnológicos. A atividade empresarial pode ser encarada como mola propulsora da economia capitalista mundial. Neste contexto, destacam-se as questões de difícil solução envolvendo a evolução do Direito Privado, especificamente, da sua visão individualista para assumir contornos coletivos. Tais contornos estão arraigados na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro de 2002 que, ao regular o “Direito de Empresa” em seu Livro II, marcou o abandono do sistema tradicional consagrado pelo Código Comercial de 1850.
Destacada a importância das sociedades empresárias na atualidade, disserte sobre a origem, evolução e história do Direito Comercial/Empresarial no Brasil, expondo, em suas razões, em que consistiu o período objetivo, subjetivo e subjetivo moderno, bem como a atual teoria jurídica dos mercados.
Espelho:
O candidato deve abordar o Direito Comercial desde os seus primórdios, passando pela Idade Média, pelo Código Napoleão, até atingir o surgimento da Empresa, marco histórico produzido pelo Código Italiano de 1.942, que deixou de lado os atos de Comércio arraigados no Código francês, passando a considerar a empresa como o centro de toda a atividade voltada para a produção e circulação de bens ou serviços destinados ao Mercado. No século XIX, com a codificação napoleônica de 1804 ( o Código Civil francês) e de 1808 ( Código Comercial francês) percebe-se a dicotomia do direito privado em direito civil, e, de outro lado, o direito comercial. A divisão do direito privado em civil e comercial em dois grandes corpos de leis a reger as relações jurídicas entre os particulares, cria a necessidade de criar critério que delimitasse a incidência de cada um desses ramos. Assim, o direito comercial surgiu como um regime jurídico-especial, destinado a regular as atividades mercantis.
Como consequência, a doutrina francesa veio a criar a teoria dos atos de comércio, que tinha como uma das principais funções a de atribuir, a quem praticasse os denominados atos de comércio (ou mercancia), a qualidade de comerciante, o que era pressuposto para a aplicação das normas do Código Comercial. Passando por tal abordagem, chega-se a 1942, quando o legislador italiano, por imperativa necessidade de atender aos reclamos da época, que já entendiam como superados os atos de comércio, resolveu unificar o Direito privado, acabando com a dicotomia que dividia tal direito em direito civil e direito comercial, lembrando que, tal unificação foi meramente formal, posto que o direito comercial ainda conserva sua autonomia didático-científica.
O Direito Brasileiro veio a se cristalizar de vez, quando, deixando de lado as ordenações do Reino, seguiu primeiramente o Código Napoleônico que foi o protótipo de nosso primeiro Código Comercial (1850), vindo, após um interregno de 152 anos (1850 a 2002), a adotar de vez o Direito de Empresa, sempre na esteira do Direito europeu, de vez que a nossa legislação atendeu primeiro o Direito Francês para depois adotar o Direito italiano.
PERÍODO SUBJETIVO: Foi um período em que se observava a necessidade de regras para atender ao comerciante. O D. Comercial é visto como um direito corporativo, profissional, especial e autônomo em relação ao D. Civil.
O direito comercial era dirigido aos comerciantes vinculados às corporações de ofício. Era um direito dos comerciantes para os comerciantes. Em um primeiro momento, competia às corporações de ofício a aplicação deste direito; posteriormente, passa a ser criado e aplicado pelo Estado, vez que, a determinação de competência judiciária dos cônsules, pelo exercício da prática comercial, não foi suficiente, pois nem toda a vida e atividade do comerciante eram absorvidas por sua profissão, impondo-se a necessidade de se delimitar a matéria de comércio. Também chamada de “fase subjetiva”, ou “subjetiva clássica”. O Direito Comercial surge às margens do Direito Civil (ligado principalmente aos senhores feudais) e só se aplica aqueles inscritos nas corporações. Daí seu caráter subjetivo. Esta fase tinha foco no sujeito que praticava o comércio, a pessoa do comerciante.
PERÍODO OBJETIVO: No início do século XIX, logo após a Revolução Francesa, com a promulgação do Código Comercial francês, em 1808, se adota a Teoria dos Atos de Comércio, considerando-se comerciante todo aquele que pratica atos de mercancia, independentemente de registro. O foco deixa de ser a pessoa do comerciante para o que ele pratica: o ato de comércio.
Teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro com a promulgação do Código Comercial de 1850, competindo ao Regulamento 737, do mesmo ano, em seu art. 19, definir quais eram os atos que se caracterizavam como sendo de comércio. As atividades que porventura não estivessem na lista não eram consideradas atividades comerciais, logo, eram regidas pelo Código Civil.
PERÍODO SUBJETIVO-MODERNO – DIREITO EMPRESARIAL: Como não havia um critério científico para definir o que era ou deixava de ser um ato de comércio, esta teoria recebeu muitas críticas, e foi substituída pela Teoria da Empresa, criada pelo Código Civil italiano de 1942, marcando o retorno ao aspecto subjetivo do Direito Comercial. Desacreditado o sistema objetivista do D. Comercial novos horizontes se abriram às cogitações dos juristas, criando-se a figura do empresário não mais como aquele que praticava atos de comércio que ninguém sabia ao certo os quais eram, e sim como os praticantes de uma atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens, produtos ou serviços.
Esta fase surge com a promulgação do Código Civil italiano que, em 1942, passa a adotar a Teoria da Empresa, considerando-se destinatário desse direito especial todo aquele que produz ou faz circular bens ou serviços (grande avanço em relação à Teoria dos Atos de Comércio, que excluía grandes agentes econômicos de seu rol). Adotado pelo Código Civil brasileiro, em 2002. Nessa fase, o foco voltou para a pessoa que exerce a atividade empresarial e especialmente no modo como essa atividade é realizada pela pessoa. Isso porque, segundo a Teoria da Empresa, qualquer atividade desenvolvida pode ser considerada empresária, desde que seja realizada de forma organizada. A chave da Teoria da Empresa são atividades econômicas desempenhadas de forma organizada pela figura do empresário, sendo importante atentar, no entanto, que nem toda atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços caracteriza empresa.
A teoria jurídica dos mercados reverbera-se no Brasil após o advento da Lei nº 13.874/19 – a Lei de Liberdade Econômica. Referida legislação institui a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica. Trata-se de norma que deve ser utilizada como vetor hermenêutico para o Direito Empresarial. Um dos alcances que se espera com a mencionada legislação é que os agentes econômicos assumam a responsabilidade pelos riscos decorrentes de sua atuação, que deve ocorrer de maneira desembaraçada, com a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas. O moderno direito empresarial repousa no binômio atividades empresárias-mercado. A premissa hermenêutica é a de que as atividades empresariais, que se revelarem eficientes e cumprirem os pressupostos de sua função social, devam ser preservadas para o bom funcionamento do mercado. Na mesma ótica, aquelas que se mostrarem ineficientes, não revelando viabilidade econômica ou mesmo cumprindo os pressupostos de sua função social, deverão ter suas atividades encerradas. Trata-se da máxima in dúbio pro mercatorum, ou seja, na dúvida, decide-se a favor do mercado.