Consoante Rafael Carvalho, o poder disciplinar pode ser aplicado tanto a agentes públicos quanto a particulares que estão na intimidade da Administração, traço importantíssimo para diferenciá-lo do poder de polícia:
O poder disciplinar é a prerrogativa reconhecida à Administração para investigar e punir, após o contraditório e a ampla defesa, os agentes públicos, na hipótese de infração funcional, e os demais administrados sujeitos à disciplina especial administrativa. O poder disciplinar é exercido por meio do Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Fundado, normalmente, na hierarquia administrativa, o poder disciplinar relaciona-se com as relações jurídicas especiais administrativas, englobando duas situações: a) relações funcionais travadas com agentes públicos, independentemente da natureza do respectivo vínculo jurídico – legal ou negocial (ex.: demissão do servidor público); e b) particulares inseridos em relações jurídicas especiais com a Administração, mas que não são considerados agentes públicos (ex.: aplicação de multa contratual à empresa contratada pela Administração, sanções aplicadas aos alunos de escola pública e aos usuários de biblioteca pública etc.).
Observe-se, ainda, a principal diferença entre poder de polícia e poder disciplinar:
Tem-se, então, que enquanto o poder de polícia aplica-se quando existem relações genéricas entre Estado e cidadão, o poder disciplinar existe quando existem vínculos jurídicos especiais – como é o caso dos estudantes de escolas públicas.
Cobrado na discursiva da PGE-RN-2024-CESPE:
Redija um texto dissertativo acerca do poder disciplinar da administração pública, atendendo ao que se pede a seguir. 1 Defina poder disciplinar e estabeleça a diferença entre esse poder e a pretensão punitiva de natureza penal do Estado. [valor: 0,40 ponto] 2 Discorra sobre a aplicação do princípio da legalidade ao direito disciplinar, no que se refere à tipicidade das infrações, estabelecendo a diferença com a tipicidade e a legalidade penais. [valor: 0,36 ponto]
O poder disciplinar da administração pública consiste no poder de apurar infrações disciplinares praticadas por agentes públicos em geral e de aplicar as sanções legalmente apropriadas. Decorre do poder hierárquico e não se confunde com o exercício do direito de punir do Estado (ou pretensão punitiva) ante a prática de infrações penais (o jus puniendi), por várias razões, a começar do fato de que o poder disciplinar não tem natureza criminal. Esse poder atinge apenas agentes públicos, em atividade ou não (se houver possibilidade de cassação de aposentadoria), e pessoas com vínculos específicos com a administração, enquanto a pretensão punitiva penal se aplica a qualquer pessoa, agente pública ou não, brasileira ou não, desde que seja imputável e esteja sujeita às leis penais brasileiras. O poder disciplinar concretiza-se por meio de processo administrativo, ao passo que a persecução penal somente se exerce por ação judicial. O primeiro é meio de controle do exercício regular das funções administrativas, ao passo que a segunda é forma de controle social, em sentido amplo. O primeiro gera sanções de caráter administrativo, enquanto a segunda produz sanções mais graves, que podem atingir a liberdade de locomoção, o patrimônio e os direitos políticos do cidadão. Seu exercício caracteriza-se pela independência relativa em relação a outras esferas de responsabilidade. A aplicabilidade do princípio da legalidade ao poder disciplinar guarda semelhanças com a desse princípio à pretensão punitiva criminal, no que diz respeito à necessidade de tipicidade das infrações, tanto disciplinares quanto penais. Há, porém, diferenças importantes no grau e na extensão com que a legalidade e a tipicidade atuam em cada campo. A tipicidade das infrações disciplinares é mais tênue do que a penal, que exige maior precisão na definição das elementares do tipo penal, por força do princípio da reserva legal. Os tipos disciplinares podem ser mais amplos e sancionar condutas menos lesivas do que os tipos penais (a exemplo da infração disciplinar consistente em “faltar com a urbanidade”). As infrações disciplinares podem empregar mais conceitos indeterminados do que as penais. Como decorrência, a autoridade administrativa tem maior espectro de discricionariedade para considerar puníveis condutas dos agentes públicos do que o Judiciário, no julgamento de crimes