Em primeiro lugar, impende destacar que o Código de Processo Civil como regra adotou a chamada teoria estática de distribuição do ônus da prova, cabendo ao autor da ação o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
O artigo 6°, VIII, da Lei 8.078 (CDC), entretanto, no desiderato de garantir a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, conferiu a possibilidade de inversão do ônus probatório em favor deste, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Em importante precedente da 2ª Turma do STJ, decidiu-se pela aplicabilidade do instituto da inversão do ônus probatório em Ação Civil Pública (ACP) ajuizada para reparação de dano ambiental, veja-se:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078⁄1990 C⁄C O ART. 21 DA LEI 7.347⁄1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1. Fica prejudicada o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347⁄1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia. 2. O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes. 3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078⁄1990 c⁄c o art. 21 da Lei 7.347⁄1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução. 4. Recurso especial parcialmente provido.
Assim, com essa inversão do ônus da prova, o próprio empreendedor é que irá ter que demonstrar que a sua atividade possui segurança.
É necessário destacar que, diferentemente do que ocorre no âmbito do Direito do Consumidor, não é a hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu nem a verossimilhança das alegações que autorizam, por si sós, a aplicação do instituto, mas sim o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado.
Cabe salientar, ainda, que a menção feita ao art. 6o, VIII, da Lei 8.078, diz respeito à aplicação do microssistema de tutela coletiva, da qual faz parte a legislação de Direito do Consumidor. Buscam, então, esses sistemas se autocompletar em lacunas.
Além disso, outro fundamento para legitimar a aplicabilidade do referido instituto é o chamado princípio da precaução, o qual consta na Declaração do Rio e está insculpido no artigo 225, V, da CRFB, veja-se:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(…) V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
Assim, diante da incerteza científica sobre o nexo causal entre uma determinada atividade e um efeito ambiental nocivo, deve-se agir de forma cautelosa, de modo a afastar algum tipo de risco ao meio ambiente, transferindo-se ao empreendedor da atividade potencialmente lesiva o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento.
O mencionado julgado evidencia o amadurecimento das ideias ambientais no direito brasileiro, indo ao encontro de todos os preceitos constitucionais que visam a proteger o meio ambiente, razão pela qual contou com os aplausos de grande parte dos doutrinadores pátrios.
Cabe destacar, ainda, que posteriormente o entendimento solidificou-se no âmbito do STJ, inclusive com a prolação de súmula:
Súmula 618-STJ: A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. STJ. Corte Especial. Aprovada em 24/10/2018, DJe 30/10/2018