Questão cobrada na prova discursiva da PGM-São José do Rio Preto-VUNESP-2023.
Resposta da Banca
O princípio da proibição do retrocesso na proteção do meio ambiente refere-se à manutenção das normas protetoras do meio ambiente, conforme estabelecido nos artigos 225 e 170 da CF. Cuida-se da manutenção de um piso de garantias constitucionalmente postas.
Nessa linha, as alterações das normas infraconstitucionais não podem ofender o equilíbrio do meio ambiente, dimensão objetiva do direito protegido e que não pode ser relativizado.
O princípio em comento serve de garantia para o desenvolvimento sustentável, inclusive para as gerações futuras. É importante proteger o equilíbrio ambiental das ameaças políticas e econômicas, que muitas vezes resultam em retrocessos normativos.
O princípio não é expresso, mas decorre implicitamente do ordenamento constitucional brasileiro. Deste modo, a doutrina e jurisprudência já o reconhecem como um princípio geral do direito ambiental. Nesse sentido, a Constituição Federal, no artigo 225, § 1º, inciso III, estabelece a impossibilidade legal de que mudanças legislativas alterem o nível de tutela ambiental conferida aos espaços especialmente protegidos em razão de seus valores ecológicos. Essa disposição reflete o princípio de vedação de retrocesso ambiental ou da proibição da proteção insuficiente.
Do ponto de vista da Teoria dos Direitos Fundamentais e mesmo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, parece adequado o tratamento integrado e interdependente dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, de modo a contemplar a evolução histórica dos direitos fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente em tal núcleo privilegiado de proteção da pessoa.
Deste modo, a proibição de retrocesso, de acordo com o entendimento consolidado na doutrina, consiste em um princípio constitucional implícito, tendo como fundamento constitucional, entre outros, o princípio do Estado (Democrático e Social) de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais, o princípio da segurança jurídica e seus desdobramentos, além do dever de progressividade em matéria de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais.
Nesse sentido, o regime jurídico ecológico – tanto sob a perspectiva constitucional quanto infraconstitucional – deve operar de modo progressivo, a fim de ampliar a qualidade de vida existente hoje e atender a padrões cada vez mais rigorosos de tutela da dignidade da pessoa humana, não admitindo o retrocesso, em termos fáticos e normativos, a um nível de proteção inferior àquele verificado hoje.
A proibição de retrocesso transformou-se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na avaliação da legitimidade de iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela geral do meio ambiente, mormente naquilo que afete em particular: a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas frágeis ou à beira de colapso, e c) espécies ameaçadas de extinção.
A proibição de retrocesso não surge como realidade tópica, como resultado de referência em dispositivo específico e isolado; ao contrário, a proibição do retrocesso se expressa como um princípio sistêmico, que se funda e decorre do diálogo multidirecional das normas que compõem a totalidade do vasto mosaico do Direito Ambiental.
Considerando o meio ambiente um direito fundamental, a ameaça a esse direito fica sujeita ao controle de constitucionalidade. Portanto, em decisões recentes o STF e o STJ têm reconhecido, com frequência, o princípio da vedação do retrocesso ambiental como princípio implícito, no sentido de impedir a redução de um patamar normativo de proteção ambiental vigente, garantindo um mínimo existencial.
No controle dessa constitucionalidade assumem importância os critérios da proporcionalidade, da razoabilidade e do núcleo essencial (com destaque para o conteúdo “existencial”) dos direitos socioambientais.
Fontes:
STF – (STF, MC na ADPF 656/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22.06.2020).
(ADIs 4.901, 4.902 E 4.903, Lewandowski na ADI 4.903/DF, j. 28.02.2018).
STJ – (STJ, AgRg no REsp 1.434.797/PR, 2a Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 17.05.2016; e, mais recentemente, STJ, AgInt no AREsp 1.319.376/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04.12.2018).
A título de exemplo algumas decisões firmam a posição jurisprudencial das Cortes Superiores:
O STJ reconheceu na sua jurisprudência a existência de direitos adquiridos ambientais, no sentido de impedir a redução do patamar normativo de proteção ambiental vigente, inclusive no sentido da presença de “limite constitucional intocável e intransponível”.
JURISPRUDÊNCIA STJ. Direitos adquiridos ambientais: “(…) o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da ‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)” (STJ, AgRg no REsp 1.434.797/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 17.05.2016; e, mais recentemente, STJ, AgInt no AREsp 1.319.376/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04.12.2018).
A título de exemplo, o STF reconhece a proibição do retrocesso:
JURISPRUDÊNCIA STF. Proibição de retrocesso ecológico:
1 – Caso do Novo Código Florestal – Lei 12.651/2012 (ADIs 4.901, 4.902 E 4.903), a Corte Constitucional reconheceu a proibição de retrocesso ambiental como um princípio constitucional implícito (da mesma forma que a proibição de retrocesso social) do nosso sistema jurídico. “(…) atualmente não há mais controvérsias, no plano da doutrina, de que, em matéria de direitos fundamentais, em particular os de segunda e terceira gerações – dentre os quais se destaca a proteção do meio ambiente –, em relação aos quais a atuação do Estado, seja ela positiva ou negativa, é fundamental, sobreleva a regra da ‘proibição do retrocesso’, materializada, dentre outros documentos legais internos e internacionais, no art. 30 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, promulgada sob a égide das Nações Unidas, pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial” (Passagem do voto do Min. Ricardo Lewandowski na ADI 4.903/DF, j. 28.02.2018).
2 – Caso da redução dos limites de unidade de conservação por medida provisória: a proteção do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e vedação de retrocesso ecológico (ADI 4.717/DF). A decisão do STF reconheceu a impossibilidade de diminuição ou supressão de espaços territoriais especialmente protegidos por meio de medida provisória. Segundo a Corte, a proteção ao meio ambiente é um limite material implícito à edição de medida provisória, ainda que não conste expressamente do elenco das limitações previstas no art. 62, § 1º, da CF/1988.
3 – Caso da autorização tácita de agrotóxicos: “(…) permitir a entrada e registro de novos agrotóxicos, de modo tácito, sem a devida análise por parte das autoridades responsáveis, com o fim de proteger o meio ambiente e a saúde de todos, ofende o princípio da precaução, ínsito no art. 225 da Carta de 1988. (…) A aprovação tácita dessas substâncias, por decurso de prazo previsto no ato combatido, viola, não apenas os valores acima citados, como também afronta o princípio da proibição de retrocesso socioambiental” (STF, MC na ADPF 656/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22.06.2020).