Projeto Questões Escritas e Orais

O que é jurisprudência de crise?

Questão cobrada no TJ-RS-2022(adaptada):

A chamada “jurisprudência de crise”, definindo seu conceito e relacionando-o com o conteúdo do QUESITO “(A)” da questão. Aponte também sua possível conexão com princípio ou cláusula da “proibição de retrocesso”. Indique, ainda, se o Supremo Tribunal Federal já reconhecera a possibilidade do fenômeno (“jurisprudência de crise”) expressamente em sua própria jurisprudência.

Espelho de resposta:

Conceituar “jurisprudência de crise”.

Os traços gerais dessa definição podem ser encontrados no voto proferido pelo Ministro Luiz Fux (a partir de estudo especifico de Andréa Magalhães sobre o tema) na ADI 6357 MC-REF/DF, voto que aderiu à corrente majoritária no respectivo julgamento: “Sobre o tema, a professora Andréa Magalhães explica que a ‘jurisprudência da crise’ espelha o rearranjo jurídico necessário para responder às demandas que surgem em momentos críticos, quando torna-se necessário um processo negocial entre a interpretação fria das normas e a necessidade de ceder perante as exigências das circunstâncias.

Nas palavras da autora, ‘a jusfundamentalidade dos direitos constitucionais constitui a primeira válvula de escape a admitir a flexibilização em contextos de crise’ (MAGALHÃES, Andréa. Jurisprudência da Crise: Uma perspectiva pragmática. Editora Lumen Juris, 2017, p. 79).

Decerto, a preservação de direitos fundamentais reclama, por vezes, a aplicação do direito de forma menos rígida e mais atenta à conjuntura fática subjacente. O estado de crise se baseia no próprio reconhecimento da necessidade de flexibilizações da ordem jurídica em situações excepcionais, a fim de viabilizar respostas adequadas às exigências das circunstâncias (MAGALHÃES, Andréa. Jurisprudência da Crise: Uma perspectiva pragmática. Editora Lumen Juris, 2017, p. 12)”.

Na mesma linha, têm-se as considerações do Ministro Gilmar Mendes, também em voto majoritário, proferido, no entanto, na ADPF 811/SP:

“Não é preciso muito para reconhecer o desenvolvimento, entre nós, de uma verdadeira Jurisprudência de Crise, em que os parâmetros de aferição da proporcionalidade das restrições aos direitos fundamentais têm sido moldados e redesenhados diante das circunstâncias emergenciais”. Esses parâmetros devem ser complementados pelo candidato com uma abordagem da possível criação de uma jurisprudência de exceção, que só se aplicaria em eventuais futuros contextos de crise, conforme estas claras passagens do trabalho de Alexandre Sousa Pinheiro: “Entendemos que a ‘jurisprudência da crise’ traduz um ‘processo negocial’ entre a interpretação normativa da Constituição e a necessidade de ceder perante as ‘exigências das circunstâncias’. […] A parametricidade da Constituição em tempos de crise leva a que se possa concluir que a inconstitucionalidade […] não dependa apenas do ‘texto’, mas, também, do ‘contexto’. Numa outra perspectiva, o que seria incompatível com a Constituição em tempos de normalidade constitucional, já o não será em tempos de memorandos e programas de assistência” (PINHEIRO, Alexandre Sousa. A jurisprudência da crise: Tribunal Constitucional português (2011 2013), in Observatório da Jurisdição Constitucional. Brasilia: IDP, ano 7, v. 1, jan./jun. 2014, p. 168-189).

O autor escreve a partir da experiência do Tribunal Constitucional português no ambiente da crise econômico-financeira que atingiu a zona do euro. Não é, contudo, exigido do candidato manifestação expressa sobre essa experiência jurisdicional (precedentes firmados entre os anos de 2011 a 2013) da Corte Constitucional de Portugal, embora tenham se tornado marco fundamental para a conceituação do fenômeno (“jurisprudência de crise”) no direito brasileiro.

B.2 – Apontar a possível conexão da “jurisprudência de crise” com a “proibição de retrocesso”.

O STF já reconheceu a existência desse princípio ou cláusula constitucional implícita em vários julgados. Gilmar Mendes e Paulo Gonet Branco, em obra doutrinária, resumem os aspectos da “proibição de retrocesso” necessários para que o candidato possa tratar da sua interação com a “jurisprudência de crise”, nestes termos: “Embora se possa entender que a proibição de retrocesso tem em vista assegurar a preservação de direitos consolidados, especialmente aqueles direitos de caráter prestacional, não se pode olvidar que vicissitudes de índole variada podem afetar a capacidade do Estado de garantir tais direitos na forma inicialmente estabelecida. Daí a necessidade, portanto, de se compreender cum grano salis tal garantia e de não lhe conferir caráter absoluto contra revisão ou mudanças”. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Série IDP – Curso de Direito Constitucional – 17ª edição 2022 (pp. 1244-1245). Saraiva Jur. Edição do Kindle). A “proibição de retrocesso” serve, portanto, como parâmetro para aferição, em tempos de crise, da possibilidade de mudanças ou exceções interpretativas em face do padrão exegético da Constituição ou da prática jurisprudencial da Corte Constitucional. Ora bloqueando essas mudanças ou exceções; ora cedendo a elas, dado que não possui caráter absoluto.

B.3 – Indicar se o Supremo Tribunal Federal já reconhecera o fenômeno (da “jurisprudência de crise”) expressamente em sua própria jurisprudência.

A resposta deve ser objetiva: sim, o STF já reconhecera, expressamente, a possibilidade de uma “jurisprudência de crise” em seus acórdãos. Embora não seja necessário, neste ponto específico, que o candidato aponte exemplos, vale registrar dois precedentes, formados no contexto da pandemia da COVID-19, em que isso ocorreu: as citadas ADI 6357 MC-REF/DF (voto do Ministro Luiz Fux) e ADPF 811/SP (voto do Ministro Gilmar Mendes).

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