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Concursos públicos, processos criminais e investigação social

Outro tema decidido pelo STJ muito importante foi no AREsp  1806617-DF, em 2020.

É possível que em investigação social se exclua um candidato de concurso público pelo fato de ter sido usuário de drogas há 7 anos?

Inicialmente, cabe destacar que se tratava de um concurso policial. Segundo o STJ:

“A jurisprudência do STJ sedimentou o entendimento de que, tratando-se da fase de investigação social para cargos sensíveis, como são os da área policial, a análise realizada pela autoridade administrativa não deve se restringir à constatação de condenações penais transitadas em julgado, englobando o exame de outros aspectos relacionados à conduta moral e social do candidato, a fim de verificar sua adequação ao cargo pretendido.”

Ou seja: analisa-se de forma ampla o candidato, justamente para que a Administração Pública possa selecionar candidatos aptos para essas carreiras tão sensíveis. No julgado, ainda se fala que tal análise deve se pautar pela proporcionalidade e razoabilidade.

O STJ na ementa fala sobre como foi o caso concreto:

“No caso, tem-se o relato de um fato pelo próprio candidato, no respectivo formulário de ingresso na incorporação, de que foi usuário de drogas quando tinha 19 (dezenove) anos de idade e que não mais possui essa adição há sete anos. Destaca-se, ainda, a informação de que o referido candidato, atualmente, é servidor público do Distrito Federal, exercendo o cargo de professor, não havendo qualquer registro sobre o envolvimento em qualquer ato desabonador de sua reputação moral. E mais, há o registro de que esse mesmo candidato foi aprovado na fase de investigação social no concurso para Soldado da Polícia Militar do Estado do Maranhão. 5. Impedir que o recorrente prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da Política Militar do Distrito Federal, além de revelar uma postura contraditória da própria Administração Pública, que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos quadros do serviço público distrital, acaba por aplicá-lo uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social.”

Ou seja: se considerou desrrazoável de concurso público na investigação social candidato que confessou ter sido usuário de drogas há 7 anos atrás –  por reputar a ele um pena de caráter perpétuo.

Inclusive, ainda sobre essa questão de investigação social, em 2020 teve-se uma decisão muito importante do STF(Fonte: Buscador Dizer o Direito):

Informativo 965 STF: Sem previsão constitucionalmente adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou a ação penal.

Fase de investigação social.

 “A partir do voto do Min. Roberto Barroso, é possível que apontemos algumas conclusões sobre o tema:

Em regra, não é permitida a eliminação de candidato a concurso público pelo simples fato de ele responder a inquérito ou a ação penal. Isso viola os princípios da presunção de inocência, da liberdade profissional e da ampla acessibilidade aos cargos públicos.

É possível, no entanto, que a lei preveja, para determinados cargos públicos, a exigência de qualificações mais restritas e rígidas ao candidato, como, por exemplo, as carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça — Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública — e da segurança pública.

Para esses cargos, é possível que a lei preveja a eliminação do candidado que tenha contra si condenação definitiva ou condenação de órgão colegiado (ainda que sujeita a recurso). Vale ressaltar também que é necessário que exista uma relação de incompatibilidade entre a natureza do crime e as atribuições do cargo. Logo, a lei não pode prever, de forma genérica, que toda condenação penal deva ensejar a proibição do indivíduo de se candidatar a concurso público”

 Dizer o Direito explica mais detalhadamente aqui:

 Regra de ponderação dos valores

Diante desse conflito, o Min. Relator Luis Roberto Barroso apresentou duas regras para a ponderação dos valores em jogo e a determinação objetiva de idoneidade moral, quando aplicável ao ingresso no serviço público mediante concurso:

1ª regra: só se pode eliminar o candidato se houver condenação:

– definitiva (transitada em julgado); ou

– pelo menos a existência de condenação por órgão colegiado (ex: Tribunal de Justiça), aplicando-se por analogia o que prevê a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), critério que já foi aplicado mesmo fora da seara penal.

2ª regra: é necessário que a necessidade de relação de incompatibilidade entre a natureza do crime e as atribuições do cargo. Nem toda condenação penal deve ter por consequência direta e imediata impedir alguém de se candidatar a concurso público.

Entretanto, para concorrer a determinados cargos públicos, pela natureza deles, é possível, por meio de lei, a exigência de qualificações mais restritas e rígidas ao candidato. Por exemplo, as carreiras da magistratura, das funções essenciais à justiça — Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública — e da segurança pública.

O relator concluiu que a solução mediante o emprego dessas regras satisfaz o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, visto que é:

a) adequada, pois a restrição imposta se mostra idônea para proteger a moralidade administrativa;

b) não excessiva, uma vez que, após a condenação em segundo grau, a probabilidade de manutenção da condenação é muito grande e a exigência de relação entre a infração e as atribuições do cargo mitiga a restrição; e

c) proporcional em sentido estrito, na medida em que a atenuação do princípio da presunção de inocência é compensada pela contrapartida em boa administração e idoneidade dos servidores públicos.

Inclusive, o tema foi cobrado na objetiva da PGE-CE-1a Fase-CESPE-2021:

 “Sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal”.

A respeito dessa tese de repercussão geral, fixada pelo STF nos autos do RE 560.900, assinale a opção correta.

A No julgamento, o STF sinalizou uma tendência de mutação constitucional quanto ao significado e ao alcance do princípio da presunção de não culpabilidade.

B Ao julgar o caso, o STF reconheceu que o princípio da presunção de inocência somente se aplica na seara penal.

C O princípio da razoabilidade foi rechaçado como vetor de composição dos valores constitucionais em tensão na hipótese em julgamento.

D De acordo com a tese firmada, será inconstitucional lei estadual que vede a inscrição de candidatos condenados criminalmente por órgão colegiado, sem o trânsito em julgado.

Gabarito: Letra A – justamente por se ter permitido que candidatos condenados em órgão colegiado, sem trânsito em julgado, fossem excluídos de concursos públicos com o preenchimento dos requisitos acima delineados.

Obs: Julgado sobre o tema – inclusive solidificando o tema de que na investigação social dos concursos policias a análise é mais efetiva: 

A Primeira Turma (Rcl 47.586-AgR, red. do ac. Min. Alexandre de Moraes, sessão de 8/2/22) firmou o entendimento de que a mitigação da tese do Tema 22 da Repercussão Geral é legítima quando o debate envolver certame para as carreiras policiais, mantendo a exclusão do candidato feita por banca de concurso público quando justificada no desabono da conduta social fundado em fatos narrados em inquérito policial ou ação penal, em conformidade com a fase de investigação social prevista no edital do respectivo concurso.

[Rcl 48.525 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 11-4-2022, 1ª T, DJE de 13-5-2022.]

Vide RE 560.900, rel. min. Roberto Barroso, j. 6-2-2020, P, DJE de 17-8-2020, Tema 22

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